“Aos 7 anos de idade, Eustace Conway era capaz de arremessar uma faca com precisão suficiente para pregar um pequeno roedor a uma árvore. Aos 10, era capaz de acertar com um arco e flecha um esquilo correndo a 15 metros de distância. Quando fez 12 anos, partiu para a floresta, sozinho e de mãos vazias, construiu um abrigo e sobreviveu durante uma semana com o que tirava da terra. Quando fez 17, deixou a casa da família de uma vez por todas e partiu para as montanhas Apalaches, onde morou numa tenda indígena projetada por ele próprio, fez fogo esfregando gravetos, banhou-se em riachos gelados e vestiu as peles dos animais que havia caçado e comido. Essa mudança, diga-se de passagem, aconteceu em 1977, o mesmo ano em que o filme Guerra nas Estrelas foi lançado.”
O que significa ser um homem na sociedade atual? O que esperamos dos homens? Tony Soprano vivia perguntando à Dr. Melfi o que haveria acontecido ao verdadeiro homem americano, por que não somos – ele incluso – mais parecidos com Gary Cooper e seu “strong silent type“, porque temos que reclamar tanto, porque sentimos tanta dificuldade em viver nos dias de hoje, e porque a depressão assola a sociedade atual com uma força descomunal.
Há dois anos atrás descobri tardiamente o naturalista Eustace Conway, descrito por Elizabeth Gilbert como “o último homem americano”. Seu grande sonho de vida era encontrar um pedaço de terra para viver. Não para construir um prédio ou algo que o valha, mas sim Turtle Island, seu instituto de educação na Carolina do Norte onde ensina a crianças, adolescentes problemáticos e adultos sobre como aproximar o homem da natureza, o que Eustace constantemente chama de “voltar as origens”.
Mas demorou muito para o cara chegar lá. Voltemos um pouco. Eustace trilhou 3600 kms pelas Montanhas Apalaches comendo o que conseguia caçar, ele cruzou a América à cavalo em 103 dias – o que é um recorde mundial , cruzou a pé os Alpes alemães, atravessou o Alaska à caiaque, e viveu com a comunidade Navajo no New Mexico. Quando tinha 20 e poucos anos, voou até a Guatemala, desceu do avião, e começou a perguntar às pessoas “onde estão os primatas?”. As pessoas começaram a apontar para a floresta, onde ele viveu por meses até encontrar a tribo dos Maias, que nunca havia visto um homem branco. Eustace fez tudo isso não em 1900, 1940. Isso tudo aconteceu “outro dia”, nos anos 80. Eustace é incansável.
Eustace é um personagem controverso. Pode causar fascinação e fúria – como casou em mim. Eustace, até hoje, é o tipo de homem que é procurado por colégios, universidades, pais com filhos problemáticos, ex condenados procurando re-adequação a sociedade. Seu magnetismo atrai todo o tipo de pessoa. Eustace também é controverso. Apesar de seu enorme carisma, sofreu muito nas mãos do pai, que sempre o diminuiu, e como Elizabeth Gilbert relata em “O Último Homem Americano”, tem problemas fortes de cunho social, principalmente com mulheres. Eustace é o tipo de cara que chama todas as mulheres que conhece de “amor da vida”. Para uma namorada, disse que queria ter doze filhos. Com outro amor, a levou para acampar, e todos os dias levantava antes dela e seguia a trilha sozinho, a forçando a passar semanas andando sozinha, sempre procurando por ele.
A história de Eustace se confunde com a história do homem. Primeiro ele dormia no chão e vestia os animais que caçava. Depois começou a dormir em uma Tipi (ou Teepee) – barraca indígena. Depois virou fazendeiro, comprou Turtle Island, comprou ações, cortou caminhos por entre as florestas, que eventualmente viraram trilhas e depois estradas. Depois vestiu jeans e camisa de flanela. O grande paradoxo do mundo contemporâneo que envolve o último homem americano diz respeito a taxas e impostos: Eustace fugiu da sociedade para não mais depender dela, e vinte anos depois o governo americano ameaça tomar seus milhares e milhares de acres na Carolina do Norte se ele não pagasse as taxas e impostos que, como um verdadeiro nômade que até hoje não possui saneamento básico em suas terras, tanto menospreza.
Não somos todos Neymar. Somos todos Eustace Conway, um homem que tem bastante a ensinar à nós, Gary Cooper e Tony Soprano. Um homem que nunca dependeu de ninguém, nunca aceitou um não quando queria fazer alguma coisa, e, principalmente, entendeu cedo, ainda nos anos 80, que alguma coisa estava errada com a sociedade e só dependia dele mudar. O sonho de Eustace sempre foi mudar o mundo. Nunca vai acontecer. Mas Eustace hoje sabe disso, e com Turtle Island, tenta ensinar diariamente à milhares de pessoas que viajam do mundo inteiro para conhecê-lo, como resgatar nossas próprias origens. Cada época tem o primata que merece. Eustace é nosso primata. Usa jeans Levis, a mesma bota que um hipster usa pra ir no Coachella, mas sabe a diferença entre se sentir vivo à apenas viver.
Se no fim do livro de Gilbert, você achar que Eustace é um idiota por suas idéias deturpadas, seu idealismo utópico, e seu lema “my way or the highway“, pelo menos o livro terá te lembrado quem você é na sua essência mais profunda, e terá te ensinado algumas coisas legais como ser mais forte, determinado e produtivo, plantar sua própria comida, fabricar suas próprias roupas, fazer fogueira com dois pauzinhos, ou talvez até salvar o planeta.
Talvez se o Gary Cooper de Tony Soprano tivesse sido um pouco mais parecido com o Eustace rejeitado pelo pai, o Eustace que escrevia cartas de amor fervorosas para suas namoradas, nossa sociedade atual não seria assolada por um mar de marasmo, seguido de uma depressão coletiva.
Ainda há tempo de nos salvarmos.